2005/04/26

Falácias Terroristas. Quem Papa o Quê?

No artigo “Quebra-cabeças ou manipulação refinada”, tentei dar um exemplo “estilizado” de como se adultera uma realidade, se deturpam factos e de como, com essa deturpação, se “constroem” falsas realidades, destinadas a manipular o pensamento das pessoas. O amigo Raul disse, em comentário, que, naquele exemplo, a falsidade é fácil de detectar; nos outros casos da vida política e social é que não…
O assunto que vou abordar, a seguir, é um bom exemplo daquele tipo de manipulação.
Na última edição do Café Expresso, o amigo Zeca (António), decidiu incluir uma secção com o que a equipa considerou os melhores posts da semana. Fui lendo um a um e confesso que, genericamente falando, já vi, por aí, coisas bem melhores. Mas a minha indignação foi ao rubro quando dei por mim a ler, conforme sugerido, um artigo donde tirei este excerto:

“É forçoso que ser de esquerda (ou liberal, que é a "esquerda-light", descafeínada e sem álcool) seja sinónimo de ser um badameco dum incontinente mental e, sobretudo, verbal, que, a toda a hora, faça chuva faça sol, tem que estar a cagar postas sobre tudo e mais alguma coisa?
Quer dizer, assim como os papa-hóstias, de todas as capelas, se arrogam em detentores exclusivos da procuração divina, estes putativos "não-papa-hóstias" armam em procuradores auto-arvorados da humanidade, em baluartes honorários da filantropia e do progresso. Sabem o que vos diz esta porção de humanidade? Certamente adivinham e prende-se com o orifício materno. Mas, entretanto, aqui d’el rei, que os católicos elegeram um papa católico. Havia de ser o quê? Protestante? Muçulmano? Socialista? Devia ser democraticamente eleito, pela chusma que faz da opinião uma espécie de cagar aos cantos ou mijar nos muros? Para ser correcto, está-se mesmo a ver, na opinião destes campeões de muceque, o conclave devia ser televisionado, estilo "capela das celebridades”
Refere-se, obviamente, aos inúmeros artigos sobre o Papa e a eleição do Papa, mas não consegue disfarçar a profunda reaccionarice das próprias e os métodos de terrorismo psicológico , prepotente e arrivista, a substituir o franco e leal debate de ideias.
E acrescenta, para cabal esclarecimento dos incautos, ecléticos e mais elementares “amantes do contraditório” que tenham dificuldades em distinguir “um boi dum palácio”:
“Assistindo ao histerismo peixeirante de toda esta escumalha das ideias, a toda esta vaselina de plantão ao pensamento, a mim, até me dá vontade de ir ser católico. Sempre é preferível a hóstia, via oral, que o mesmo remédio, só que mais concentrado, sobredosado, esterilizante, e em forma de supositório expresso, pelo fundilho da coluna.
Vergonha dos homens, vergonha da esperança num mundo melhor, é toda uma "esquerda" pidesca, bufa, cretina, a espernear e a espumar epilepticamente. Com uns argumentos e poses de tal modo estimulantes, que, um dia destes, não resisto e corro à feira da ladra a enfarpelar-me numa farda das SS (vi lá uma das Tottenkampf, ainda não há muito tempo, toda catita). Vai ser uma carga de trabalhos para me fazerem despi-la. Acho que até vou dormir com ela.”
Assim ficamos todos esclarecidos. Eu acho que sim, que o autor desta “nojeira de verborreia” deve mesmo comprar a tal farda. Escusa de andar mascarado de gente decente, a enganar-se e a enganar os outros.
Reparem que esta conversa (que li apenas por culpa do Café Expresso) encaixa, na perfeição, no tipo de manipulação refinada de que dei aquele exemplo abstracto.
Especificando:
Quem começou por agredir toda a população do país, com a morte do Papa, o funeral do Papa, os candidatos a Papa e a eleição do Papa, foram os órgãos de comunicação social, inclusive os de “serviço público”, que fizeram dos eventos um verdadeiro massacre, que durou mais de 10 dias. Entretanto aconteceram coisas bem piores, como atentados no Iraque, que mataram muitas pessoas, mas as notícias só davam Papa.
Papa morre, Papa não morre, Papa enterra, Papa elege, toda a gente teve de suportar aquele verdadeiro suplício (que o foi até para alguns católicos). Depois foram os méritos e o enorme valor do Papa que faleceu, de cujo não se viu nada de positivo que resultasse, ao contrário das coisas negativas e das medidas persecutórias, que essas sim, foram eficientes. Cá para mim, tanto se me faz que fosse Papa, ou não. Se tivesse os méritos que nos impingem, reconhecer-lhos-ia, sem qualquer dificuldade. A verdade é que tudo isso é falso e falacioso e, por isso, digno de repúdio.
Mas há mais! A própria igreja se arvora direitos que não tem, prerrogativas que não lhe pertencem e que espezinham os princípios da democracia, para condicionar e influenciar a vida de todos nós, nomeadamente influenciando as leis, de forma anacrónica; as leis a que todos estamos sujeitos.
Mais! Eu nunca vi o Papa comparecer no funeral de nenhum chefe de estado. Pois o nosso presidente, apesar de se dizer ateu, aproveitou para passear e foi ao funeral do Papa. Um tal acto de subserviência, de servilismo, a representar quem?
Ora, se a Igreja e os seus “serviçais” na política e na comunicação social, se arvoram o direito de violentar as consciências de todos os cidadãos, estes têm o direito, elementar e fundamental, de dizerem o que pensam acerca disso; têm o direito de avaliar e opinar sobre as qualidades e defeitos de quem assim os molesta.
O escriba pretende invocar os princípios da democracia, como fundamento da sua “indignação”, com o seguinte: “Meto-me na nomeação dos ayatholas? Intrometo-me na vida do Dalai Lama? Mando palpites ao patriarca ortodoxo?”
É isso mesmo. Nem eu perderia um segundo do meu tempo a falar de Papas, nem se me daria que eles morressem ou vivessem, ou qual seria eleito, se o assunto tivesse sido tratado, pela comunicação social e pelas instituições, como o são: as nomeações dos ayatholas; a vida do Dalai Lama; os viveres ou morreres dos patriarcas ortodoxos (ou das igrejas protestantes, que também tem uma hierarquia).
E é aqui que reside a falsa realidade, com que se manipula as consciências (fracas) dos menos avisados. Não há qualquer comparação entre o que se passa nas outras religiões (ou sector de pensamento filosófico) e o massacre a que fomos sujeitos a pretexto do que se passa no Papado. Portanto as pessoas têm todo o direito (e até a obrigação) de reagirem.
Contudo, parece que não teremos que nos preocupar, porque este Papa será o último. Talvez a igreja e a crença católica não desapareça (nem tem porquê), mas que desapareça esta coisa aberrante que é a existência dum Papa, tal como o conhecemos hoje, faz todo o sentido. Esperemos que isso represente também o fim destas exibições, anacrónicas de “psico” que já estão demasiado fora de moda. Aliás, se repararem bem, todo o tom do escrito soa a “canto do cisne”. Paz à sua alma!
Claro que não identifico o local onde foi publicado. Quem quiser que procure. Não facilito o acesso a ninguém, porque não quero ser responsável por semelhante maldade.
Amigo Zeca… Esperava mais de si! Confesso que, quando li este post, até me deu vontade de deslinkar o próprio Café Expresso. Para ler coisas destas basta-nos passar os olhos pelos inúmeros pasquins, em qualquer banca (que eu não compro, vocês sabem porquê), não precisamos de Café Expresso. É que isto, nem a seco se “engole”. Espero que, por aí, os critérios façam jus à expectativa criada…